As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Se hoje reclama da espionagem dos EUA, durante a ditadura o governo
brasileiro criou uma rede oficial de recolhimento de dados sigilosos na
tentativa de monitorar os segredos militares e estratégicos dos países
vizinhos da América Latina. Arquivos secretos e inéditos do Estado-Maior
das Forças Armadas (EMFA), aos quais o Estado teve acesso e acabam de
ser desclassificados pelo Arquivo Nacional, em Brasília, mostram que,
numa reunião do órgão, em agosto de 1978, foi criado o "Plano de
Informações Estratégicas Militares", que descreve o esquema de
espionagem organizado pelo Brasil.
No Anexo A do arquivo é detalhado o "Plano de Busca Número 1", que,
segundo o documento, "orienta, sistematiza, define responsabilidades e
fixa prazos para as atividades de informações externas, relacionadas com
o Plano de Informações Estratégicas Militares (Piem)".
A tarefa era clara: fornecer ao governo brasileiro informações
estratégicas e secretas dos países da América Latina, deixando apenas
EUA e Canadá de fora do plano. O documento mostra que essa missão
caberia não apenas a adidos militares brasileiros no exterior, mas
também ao Itamaraty.
O item A do "Plano de Busca" determinava: "os adidos militares
atenderão às necessidades de informações da Força Singular ou Forças
Singulares que representam os países onde estão credenciados". O item B é
mais direto ainda em relação à espionagem militar. "O Ministério das
Relações Exteriores atenderá às necessidades de informações estratégicas
militares dos países da América Latina onde as Forças Armadas não
estejam representadas por adidos militares."
Uma detalhada planilha, chamada de "Apêndice Número 1 ao Plano de Busca
Número 1" explica o que cada órgão de inteligência deveria investigar
nos países vizinhos. Cinco órgãos de busca participavam dessa coleta de
informações estratégicas. Quatro deles eram vinculados às Forças Armadas
e o quinto era o Itamaraty, a quem cabia a tarefa mais ampla na
captação de dados.
Informações - São informações de todos os tipos que estão
preestabelecidas no documento e não deixam dúvidas de que o objetivo era
descobrir segredos militares dos vizinhos. Entre as tarefas estão a
coleta de informações sobre a estrutura geral dos ministérios militares;
sua organização e funcionamento; composição de cada Força; comandos;
efetivos e equipamentos; distribuição e ordem de batalha; serviço
militar; forças terrestres, navais, aéreas e combinadas; zonas
defendidas; bases e obras permanentes no interior e no litoral;
estrutura de defesa antiaérea, instalações subterrâneas; organização
logística de forças terrestre, naval e aérea; contingente demográfico em
idade militar, criação de animais de guerra, população de equinos,
material bélico e até atividades de guerrilheiros, entre muitos outros
itens. Todas essas planilhas receberam a classificação de secretas pelo
EMFA.
A periodicidade do envio dessas informações também estava definida no
plano. A maioria deveria ser enviada anualmente, seguindo uma data
fixada pelos militares. O levantamento sobre a organização das Forças
Armadas dos vizinhos, por exemplo, deveria ser enviado todos os anos em
abril, assim como os dados sobre instalações de defesa. Informações
sobre logística militar tinham como prazo de entrega o mês de julho,
mesmo prazo estipulado para envio de informações sobre movimentos
guerrilheiros nos países observados.
Informações consideradas mais relevantes, como a de mobilização
militar, deveriam ser repassadas para o governo brasileiro assim que
fossem obtidas. Já se sabia que os diplomatas brasileiros, por instrução
do governo militar, monitoravam as atividades de integrantes de grupos
de esquerda no exterior durante a ditadura.
Monitoramento - Uma série de reportagens, publicada em 2007 pelo
Correio Braziliense, mostrou que os adversários do regime militar eram
acompanhados pela ação do Centro de Informações do Exterior (Ciex), que
fazia parte da estrutura do Itamaraty. Por meio desse monitoramento,
inúmeras prisões foram feitas.
Agora, os novos papéis do EMFA mostram que os militares brasileiros
também se organizaram para usar a estrutura de trabalho dos adidos e dos
diplomatas para recolher dados confidenciais que poderiam pesar a favor
do Brasil no caso de um conflito com algum país vizinho.
FONTE: http://atarde.uol.com.br