Pelo menos um desses cursos, sobre técnicas de primeiro socorros e contra-informação, que aconteceu entre 22 e 24 de julho, teve como público alvo integrantes do MST dos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná. Sob a batuta dos mesmos instrutores colombianos, o último treinamento, que aconteceu em 29 de agosto, foi destinado a integrantes de quadrilhas responsáveis pela segurança de pontos de distribuição de drogas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na instrução, foram passadas aos alunos brasileiros informações sobre uso em guerrilha urbana.
A escolha da região de Pindoty Porã pelas Farc não é aleatória. O local vem sendo usado, há pelo menos dois anos, como ponto estratégico para o tráfico de maconha, cocaína e armas, que prospera com a conivência de autoridades paraguaias e sob o beneplácito da frágil legislação daquele país.
Difícil acesso
Os levantamentos do Serviço de Inteligência Externa da Secretaria Nacional Antidrogas paraguaia revelam que um dos locais utilizados como centro de treinamento das Farc no Paraguai é a fazenda do brasileiro Dioclésio Festa, acusado de controlar o tráfico de cocaína no Sul do Brasil usando a rota de Salto del Guayrá. Sua propriedade está localizada no município de Itanarã e é equipada com pista de pouso para facilitar as ações.
O acesso é por precárias estradas vicinais de terra batida. Só quem conhece bem o local consegue chegar à fazenda. Uma grande reserva de mata de cerrado, protegida com recursos do Banco Mundial, torna ainda mais difícil o acesso e o patrulhamento eficiente da região. No local, está instalado um posto do Exército paraguaio semi-abandonado. Pistas de pouso clandestinas também cortam toda a área. No período de capacitação dos sem-terra, o tempo ruim, com chuvas e baixíssimas temperaturas, comprometeu os exercícios externos e todo o curso aconteceu nas salas de aula.
Os relatórios trocados entre Brasil e Paraguai garantem existir um grande interesse das Farc em brasileiros, que nos últimos anos têm sido parceiros da guerrilha em atividades ilícitas como o tráfico de drogas e de armas. Eles confirmam também que os cursos ministrados pelas Farc são destinados a entidades civis organizadas e citam nominalmente o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Nos documentos, existem fartas informações sobre os instrutores dos treinamentos, que se escondem sob o manto dos codinomes.
Um dos colombianos responsável pelo treinamento de brasileiros é descrito como um homem com pleno domínio da língua portuguesa, mas que não consegue esconder o seu forte sotaque castelhano. É especialista em guerrilha rural e ideologia política, mas ensina também a manejar explosivos e pistolas e é um expert em artes marciais. Segundo os relatos dos serviços de informação, o instrutor é uma pessoa muito conhecida na fronteira e transita com desenvoltura por toda a região. Os serviços de inteligência do Brasil e do Paraguai tentam agora descobrir sua verdadeira identidade e, a partir disso, chegar ao restante do grupo - que muda conforme a técnica a ser repassada e o público alvo.
A coordenação geral do MST informou, através de sua assessoria de imprensa, em São Paulo, que não tem conhecimento da participação de integrantes do movimento em treinamentos promovidos pelas Farc no Paraguai. Segundo a assessoria, não é a primeira vez que o movimento é alvo de acusações infundadas. A coordenação ressaltou que o MST mantém relações de intercâmbio apenas com organizações camponesas na América Latina.
OS ALUNOS
Estes são alguns dos brasileiros que segundo investigações participaram dos cursos no Paraguai
Nome usado no Brasil - Nome usado no curso
João José Saracuna
Franz Marimbondo
Severo Corticeira
Pereira Neguinho
Nunes Bem-te-vi
Alfeu Furão
Sebastião Pescador
Brasil Viajante
Empresários garantem impunidade à guerrilha
Falsos homens de negócio e agropecuaristas apóiam as operações guerrilheiras das Farc com recursos financeiros, amigos influentes e a colocação de aliados em órgãos de fiscalização do Paraguai
As apurações conjuntas de serviços de inteligência do Brasil e do Paraguai constataram que, para prosperar e garantir a impunidade, os integrantes das Farc contam com aliados que se apresentam como bem-sucedidos homens de negócio e agropecuaristas. Na cidade de Salto del Guayrá, capital do departamento de Canindeyú, a apenas uma hora de vôo de Pindoty Porã, o comerciante paraguaio Nicolas Tutunys é investigado como um dos parceiros da guerrilha.
Proprietário das empresas Tower's, que incluem posto de gasolina, lojas de importados, hotéis, concessionárias de veículos e fazendas, Tutunys praticamente controla a cidade. Suas lojas estão instaladas estrategicamente na Avenida Paraguai, a principal via de Salto del Guayrá, cidade que hoje funciona como uma opção a Ciudad del Este para a compra de equipamentos eletrônicos e todo o tipo de mercadoria contrabandeada.
A prosperidade do comerciante pode ser vista logo na entrada da cidade, onde está instalado um amplo shopping, que também faz parte das empresas de seu grupo. Seu sucesso financeiro o transformou, segundo investigações, num dos principais financiadores das atividades das Farc na região, algumas vezes cedendo os aposentos de seus hotéis para receber os guerrilheiros. A fachada legal de seus negócios, visível nas calçadas onde desfilam policiais com pesados armamentos, ajuda, segundo apurações das autoridades paraguaias, a esconder atividades ilícitas como o contrabando de armas, de cigarros e de produtos eletrônicos e a fazer a lavagem do dinheiro.
Além do comerciante paraguaio, o brasileiro José Leandro da Costa, proprietário da Casa Rossi, naquela cidade, dedicada ao comércio de armas de fogo e munições, também é investigado por ser um suposto fornecedor de armamento, dos mais variados calibres, para as Farc.
Políticos influentes
Mas somente fontes de financiamento não garantem o sucesso de ousadas investidas da guerrilha em território paraguaio e brasileiro e, por isso, vale lançar mão de amigos influentes para garantir impunidade e facilitar os negócios ilícitos. Apuração dos serviços de inteligência demonstra uma grande proximidade entre integrantes da guerrilha e o paraguaio Marciano Godoy, que é presidente da Associação Nacional Republicana, ligada ao Partido Colorado, no Departamento de Canindeyú.
Godoy é suspeito de ser o homem que abre as portas de órgãos públicos do Paraguai, como a Fiscalia e a Aduana, que funcionam nos moldes doMinistério Público e da Receita Federal, e a polícia para viabilizar as atividades criminosas de diferentes grupos, entre eles as Farc.Valendo-se de seu prestígio político, Godoy contribui para nomear para postos chaves seus aliados. No Brasil, outro aliado seria o cônsul do Paraguai em Guaira (PR), Mário Gonzales Cardoso, investigado por ligações ao roubo de veículos e carga e ao contrabando de cigarros e eletrônicos.
Todos negam qualquer envolvimento com organizações criminosas e com a guerrilha colombiana. Reafirmam que a saúde financeira é fruto de bons negócios legais.
Fonte: montfort.org.br/